A MANIA DA DOUTORICE
Visitava a nossa
casa, garotinha, filha de industrial, a fim de receber lições de desenho, que
meu pai, que cursara Belas-Artes, administrava graciosamente.
A moça, bem nutrida
de carnes, não era bonita nem feia, possuía, porém, dois belos olhos, cor de
cinza, que refulgiam e fascinavam, de modo a muitos declararem-na formosa.
Estando meu
pai, certa tarde, a falar com a mamã da menina, endireitou-se a conversa para
lhe ensinar “ corte”, já que trabalhara, como modista, na juventude.
Arregaçou a mulher as
finíssimas sobranceiras; esbugalhou os olhos de espanto, e replicou
abespinhada: - Sr. Pinho: não quero que minha filha trabalhe… mas que seja
doutora! …
Doutora, para ela, era sinónimo de vida
folgada; viver do trabalho dos outros.
Trago este episódio a
propósito da crónica de João Adelino, pivô e jornalista da RTP, publicada in: “
Dinheiro Vivo”, suplemento do “JN” de 14/04/12.
Conta o cronista: “ Faltava
poucos minutos para iniciar mais um debate eleitoral televisivo. Um assessor
fez-me saber que um dos convidados ameaçava não entrar no estúdio, porque não o
tratei com respeito. E perante o meu espanto, esclareceu que eu era o único
jornalista que não tratava o político por “ Senhor doutor”.
Como se sabe, em
Portugal, ser “doutor” é imprescindível para quem deseje ser bem aceite. É
praticamente título de nobreza, que abre portas à sociedade considerada
elegante.
E prossegue o
jornalista da RTP: “ Não há convidado na televisão, que não seja apelidado, invariavelmente,
de “ doutor” ou “ engenheiro”.
Recorro, agora, à
memória, para narrar cena ocorrida com meu pai ao sair da missa dos “
Congregados”:
Louvava-lhe conhecido
advogado portuense as crónicas que publicava às sextas-feiras, taxando-as de
excelentes; sua mulher, até perguntara-lhe que curso superior tinha o Pinho da
Silva.
Como meu pai lhe
dissera que não frequentara os bancos universitários, este respondeu: -
“Continue…continue…porque para quem não é formado, tem muita habilidade! …”
Regressemos de novo à
crónica de João Adelino: “ É muito difícil explicar a um britânico, a um
alemão, um espanhol ou qualquer estrangeiro, porque chamamos “doutor” e
“engenheiro” a todos nossos políticos. Afinal fora das nossas fronteiras,
respeito é chamar alguém simplesmente…Senhor.”
Por isso o Ministro
da Economia de Portugal., notável professor universitário, no Canadá, ao
desembarcar em Lisboa, disse aos jornalistas, que podiam tratá-lo apenas por “
Álvaro”. Declaração que muitos nunca mais lhe perdoaram.
No hay comentarios:
Publicar un comentario