martes, 24 de julio de 2012

Humberto Pinho da Silva-Portugal/Julio de 2012

SEM APRENDIZES NÃO HÁ MESTRES



Vivo num bairro onde há casita bem cuidada, que pertence a homem que em anos de juventude fora carpinteiro. Artista de valor, reconhecido pela perfeição e trabalho esmerado.
Em tempos não afastados, o bom homem chegou a trabalhar para mim; depois, a idade e a doença, obrigaram-no a recolher-se a casa.
Anteontem, pela fresca da manhã, sai. Necessitava de cuidar de investimento, que para meu mal, pouco rende, já que financeiros e Estado encarregaram-se de o delapidar.
Por vezes cogito: se não me seria melhor ter gasto o dinheiro em viagens, divertimentos e outros prazeres, do que economizar; mas o mal está feito.
Como ia dizendo: sai. Mal havia dado curtas passadas, deparei com o carpinteiro, que fazia seu passeio matinal.
Saudei-o; ia afastar-me, quando este, carecido de convívio, mete-se à conversa:
- Isto está mau! Muito feio! Não há emprego, mas não falta trabalho! …Se pudesse ganhava boa fortuna na biscatagem!
Como não respondesse, prosseguiu: - Batem-me à porta e pedem-me, pelas almas, que vá consertar o armário ou janela, que empenaram; mas que quer? A minha coluna não permite….
Como lhe dissesse que hoje todos estudam, acrescentou:
- Pois é. No meu tempo não faltavam artistas por aqui, agora não se encontra um! Já não há aprendizes! Quer ver, vizinho: conheço camarada que tem um rapaz, que é negação para os estudos. Então pensou pô-lo a aprender arte. Sabe o que lhe disse o filho?!
Sussurrei um “hem” interrogativo, e o homem continuou:
- Que não quer trabalhar em Portugal, porque tem vergonha dos colegas. Já que não pode ser doutor, vai procurar emprego lá fora, onde ninguém o conheça. Veja!? Ter vergonha de trabalhar! No meu tempo, acabada a Primária, íamos de marmita na mão, para as obras, e as moças p’ra costura. Agora têm vergonha! …
Separamo-nos, com forte aperto de mão, e fiquei a pensar: têm vergonha dos colegas e preferem emigrar…
É direito inalienável que todos tenham as mesmas oportunidades - sempre me bati por essa conquista, - que é cristã e é inerente à democracia, mas ao escutar esse desabafo fiquei apreensivo.
É que sou do tempo em que o trabalho braçal era honra, e os filhos não se envergonhavam de coadjuvar nas tarefas paternas.


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